quinta-feira, 13 de novembro de 2014

Futebol, atlética e movimento estudantil.

Jogo futebol desde que me conheço por gente. Desde quando comecei a me questionar sobre que profissão exerceria na vida adulta, o futebol era a certeza de um trabalho extremamente prazeroso e que poderia ser remunerado. Mas durante a adolescência, no colegial, fui vendo que minha habilidade não seria o suficiente para "entrar nesse mercado". Em outras palavras, eu não era bom o suficiente.

Paralelamente à esse interesse pela vida do futebol profissional e a descoberta da falta de habilidade para o mesmo, foi surgindo um interesse pelo estudos das áreas das idéias, das ciências humanas, da política. Até que um dia veio a tona, inevitavelmente, a seguinte questão: existem dois caminhos a seguir, 1-a única maneira de manter contato com o futebol seria cursar uma faculdade de educação física para ser técnico ou preparador físico, ou, 2-fazer um curso de humanas, quem sabe história? E me aprofundar na ciência das idéias. Essa dúvida foi quase uma goleada de 7 a 1, Alemanha-Brasil. Foi incontestável. Com certeza absoluta resolvi cursar Educação Física e manter um vínculo com o futebol.

Pois bem. Cursinho. Vestibular. Entrei na Unesp de Rio Claro. No decorrer do curso descobri que existiam duas modalidade na educação física. A licenciatura e o bacharel. A licenciatura, que possibilita dar aulas apenas em escolas e o bacharel que te possibilita trabalhar com tudo, menos em escolas. É claro que eu iria cursar o bacharel, para poder atuar com o futebol, mas essa escolha entre um e outro se daria apenas passados dois anos de faculdade. Aconteceu que nesse interím ocorre que fiz minha descoberta que mudaria a trajetória que tinha traçado até então. Descobri o movimento estudantil. Através do movimento estudantil retomei alguns questionamentos e reflexões abandonados até então em detrimento da opção pelo futebol. E mais, descobri, junto a graduação e ao movimento estudantil, o total vínculo entre política e o mundo dos esportes, a reprodução de valores, opressões, a legitimação de ideologias por meio dos esportes, e surge o novo interesse pela licenciatura, onde eu teria total liberdade de abordar tais temas fazendo uma analise crítica junto de outros sujeitos. Tinha descoberto a educação formal. Surge ai um interesse por lecionar em escolas, rebaixando o futebol a um mero hobby.

Dentro da universidade, pelo menos na Unesp Rio Claro, existe uma rincha clara e não declarada entre duas organizações. O movimento estudantil e a atlética do campus. O movimento estudantil, uma organização com fim de organizar os estudantes visando uma construção de consciência política, podendo até ter um viés combativo. Este acaba por rechaçar os espaços promovidos pela atlética, que possui um viés exclusivamente esportivista e festivo. Cada um se eximindo da área onde tradicionalmente o outro essencialmente se destaca. O movimento estudantil não promove a interação esportiva e a atlética não trabalha (até onde eu saiba, considerando que eu não sou onipresente) a construção da consciência política.

A atlética de Rio Claro, junto a outras atléticas, é quem promove os jogos interunesp, onde ocorrem disputas entre diversos camp em diversas modalidades. No ano de 2010, nesses jogos, ocorreu o episódio denominado 'rodeio das gordas', onde alguns babacas acharam engraçado abraçar mulheres gordas e fingir que estavam montando nelas, sem se preocupar com as consequências que isso traria para as mulheres. Para essas pessoas, elas não eram seres humanos, eram simplesmente gordas que mereciam ser alopradas rendendo algumas risadas. O episódio ficou famoso e os estudantes responsáveis foram suspensos por alguns dias, se não me engano ao início do ano onde mal há aulas. Em resposta à essa barbaridade, o movimento estudantil se organizou e promoveu um festival contra as opressões, com bandas e debates em torno do tema. Resultado: uma penca de sindicâncias e suspensões em resposta ao repúdio ao rodeio das gordas.

O episódia acima foi para ilustrar o clima que existe entre esses dois grupo. Um que sou extremamente vinculado pelas afinidades políticas e por ter participado por 5 anos e ter aprendido muito do que sei hoje, e o outro, em que acabo tendo vínculo por fazer 5 anos em que faço parte do time de futebol por ele organizado e que estou indo rumo a um evento por ele promovido com o intuito de competir com outros times organizados por outras atléticas.

Dos amigos e colegas de movimento estudantil sempre fui taxado de hipócrita por fazer parte do time de futebol que promove o rodeio das gordas. Dos amigos e colegas que fazem parte da galerinha atlética sempre fui taxado de grevista baderneiro metido a revolucionário. Nunca tive vergonha da segunda taxação, embora ela seja feita em tom pejorativo. Sempre tive vergonha da primeira.

O interunesp é sim um evento onde se exaltam opressões. Um festival de hinos extremamente machistas e homofóbicos, promovido por uma organização que nega a consciência política e limita a pratica esportiva apenas as pessoas já iniciadas, tendo como foco o rendimento. Promovem o esporte excludente talvez sem ter consciência disso.

Mas eis a questão crucial.
Hoje conversando com um amigo do movimento estudantil, comentei que iria ao interunesp de Botucatu. Fui reprovado pelo olhar e interpelado com a frase: "você, Chico?".
Sempre joguei futebol e com certeza não seria a pessoa que sou hoje se o futebol não fizesse parte de mim.  Tenho inúmeras críticas a atlética, mas é mesmo uma traição aos meus ideais querer jogar a porra de um campeonato universitário? É muito superficial fazer um julgamento maniqueísta quanto a isso, ainda mais vindo de pessoas que nunca vivenciaram o esporte de uma maneira intensa!

A Unesp é uma instituição homofóbica, elitista, racista, e ainda sim todos continuam estudando nela, pois necessitam fazer parte dela para adquirirem seus diplomas. E cadê o movimento estudantil se autodenominando hipócrita?

Tendo todos os defeitos que a atlética possui, ela promove um evento esportivo extremamente prazeroso e divertido. Sim, existem os idiotas que fazem idiotices, mas pra mim ele foi e é prazeroso e divertido. Se o movimento estudantil organizasse um evento assim, eu não pensaria 2 vezes para prioriza-lo. Mas ele não organiza. Não tem pernas pra isso, e não é e nem deve ser sua prioridade. Então já que é o único evento que propicia esses jogos, não me resta muita opção. Ou sou orgulhoso e inflexível e não jogo, ou eu deixo de lado esse orgulho político e faço uso do evento praticando o esporte que me levou as convicções políticas que tenho hoje. Eu prefiro engolir seco e jogar, apesar dos pesares.

Todos os lugares são passíveis de opressão. Todos. A opressão existe no movimento estudantil, em movimentos sociais, como não haveria em jogos universitários? As opressões presentes no interunesp não são exclusivas dele, e nós participamos desses demais lugares. E talvez, nós do movimento estudantil, até utilizemos os jogos universitários como bode expiatório, demonizado-o. Talvez por serem pessoas privilegiadas que possuem acesso a informação e a formação crítica. A crítica deve ser feita, mas se formos deixar de usufruir de tudo que possui contradições e onde temos opiniões divergentes, podem ter certeza que eu estaria utilizando um chinelo feito de pneu de beira de rodovia, morando em uma oca e estaria escrevendo em uma parede de caverna com uma pedra lascada.

segunda-feira, 10 de novembro de 2014

"Respeitem meus cabelos"... longos!

Sempre gostei de futebol. Quando pequeno a seleção que mais me chamava atenção era a seleção argentina. Sempre me interessei mais pela vontade e sangue quente que os cabeludos demonstravam em campo do que pela habilidade e "alegria nas pernas" dos brasileiros.
No videogame eu sempre escolhia a seleção Argentina. Tirava o Batistuta do ataque para coloca-lo na zaga para que ele saísse driblando o time todo e fazer o gol. Pelo menos quando jogava com irmão, primos ou colegas não havia concorrência, o único que jogava com a Argentina era eu mesmo.

Talvez por essa simpatia com a seleção argentina, por ter assistido muito Cavaleiros do Zodíaco -onde o Shiryu era o preferido-, ou até pela fase roqueiro na pré-adolescência, eu raramente cortava meu cabelo curto. Na infância era adepto do cabelo tigelinha, mas depois disso sempre cultivei cabelos compridos. As vezes mais, as vezes menos, mas sempre compridos.

Não sei afirmar ao certo qual é a razão que faz com que um marmanjo de 23 anos ainda tenha um cabelo no meio das costas. Muitos homens já o tiveram em sua adolescência, na sua fase de colégio, até mesmo durante a faculdade, mas acabam por abandonar o corte -ou a falta dele, como no meu caso- porque cresceram, passaram dessa fase, porque é mais prático (o que ninguém discorda). Mas não são esses os casos em que eu queria gastar alguns ATP's com esse texto. Queria me prender ao fato de alguns que não possuem mais cabelo compridos ou que nunca os tiveram pois "é cabelo de menina".

Na terceira série, quando estudava em um colégio católico, me lembro do dia em que fui chamado pela orientadora/bedel/coordenadora (sei lá o que que aquela mulher era) e ela começou a dizer que eu precisava cortar meus cabelos pois eles já estavam muito grande. Não me lembro se a explicação era por causa de empestações de piolhos na escola, mas se assim fosse, as meninas também deveriam ter sido "convidadas" a rasparem suas cabeças. Coisa que não aconteceu. Se a desculpa fosse outra também seria incoerente da mesma maneira. Acho que essa escola nunca tinha visto a imagem de Jesus.

Já em outra escola, após o termino da aula junto de minha mãe, passamos em uma padaria. Minha mãe após fazer o pedido para o atendente, é interceptada pelo sujeito que vira e pergunta: "e a menina, não vai querer nada?". Na hora eu não percebi o "menina". Só fiquei sabendo após minha mãe me contar, um tanto puta com o cara, que ele havia me confundido com uma menina.

Em uma apresentação da escola, onde os alunos dançavam, apresentavam instrumentos praticados, recitavam poemas, etc. fui o apresentador do evento, abrindo e anunciando as atividades. Ao fim do evento, meu pai e meu irmão, que estavam na platéia, comentaram que algumas pessoas sentadas atrás deles não sabiam se eu era menino ou menina, "mas deve ser menino, porque chama Francisco, né?!"

Já durante a faculdade, nos trabalhos com recreação e lazer em acampamentos e colônias de férias era comum ver as crianças se atentarem ao meu cabelo e fazerem indagações e afirmações como: "tio, porque você tem cabelo de menina?", "porque você usa coque de balé?", "você é menininha, olha seu cabelo! ha ha ha".

Durante uma excursão ao acampamento Sítio do Carroção com a faculdade, os monitores responsáveis por apresentar as dependências e o modo de trabalho do acampamento expuseram claramente, sem nenhum peso na consciência, que homens cabeludos não poderiam trabalhar no local e que os tatuados deveriam esconder de qualquer maneira suas pinturas. Quando questionados por mim sobre o porque desse impedimento responderam com uma desculpa nojenta jogando a responsabilidade no mercado. Responderam algo do tipo: "é o gosto dos nossos clientes e não podemos fazer nada a não ser acatar". E pra me deixar surpreso, a professora universitária -que compõe a universidade, o lugar da produção do conhecimento, do livre-pensar, da elite intelectual e blábláblá- que nos dava aulas e estava conosco na visita soltou o golpe final: "é que homem de cabelo comprido é sujo! Imagina a piscina como ficaria cheia de cabelos?". Aquela visita serviria também para eles garimparem pessoas para trabalharem no local, e antes de irmos embora fui perguntado se havia possibilidade de eu cortar meu cabelo para trabalhar lá. Quase fui. Só que não.

Que algumas crianças pensem dessa maneira e questionem a minha imagem que não condiz ao padrão construído de homem, eu até posso entender e até torna-se engraçado a sinceridade com que falam. Mas pessoas já marmanjas, com barba na cara, com título de Doutora, que já viu e viveu de tanta coisa, em pleno século 21, com pensamentos tão ultrapassados, pra não dizer retrógrados, é inaceitável.

É possível analisar os relatos de duas maneiras. Ser taxado de "menininha" no sentido de inferiorizar as mulheres e no sentido de inferiorizar os homossexuais.
Ser confundido com uma mulher não era e continua não sendo motivo pra se ficar indignado. Não teria problema nenhum se eu fosse uma, e eu mereceria o mesmo respeito que tenho sendo homem. Ser uma "menininha" não faria de mim um ser humano inferior e menos digno, nem mais sensível e indefeso.  E também não significaria que eu gosto de rosa.
Ser taxado de "menininha" também pode ser ofensivo aos homossexuais. Como se o fato de eu querer parecer uma menina pudesse fazer de mim diretamente um homossexual, e isso ser motivo de chacota.* Zombar do cabelo do outro, tentando desmoraliza-lo por ser um possível "viadinho" também acaba por colocar os homossexuais como pessoas de segunda linha, pessoas, assim como as mulheres, inferiores. Como se ser cabeludo fosse característica exclusiva de mulheres ou de homossexuais.

Eu não deveria ter me sentido ofendido com esse tipo de coisa, como me senti em algumas vezes. Já me senti ofendido, mas não me sinto mais.

Atualmente, quando crianças tomam essas atitudes, eu serei pedagógico e explicarei como sempre expliquei: "sua avó ou sua mãe tem cabelos curtos, não tem? Elas são homens por causa disso?". As crianças ficam com um nó na cabeça que só o futuro dirá se entenderam a mensagem ou não.
Agora, gente véia de guerra vindo fazer essas piadinhas, que não se sintam ofendidas em serem taxadas de opressoras. O machismo e a homofobia, assim como todas as opressões, permeiam todos nós. Alguns mais outros menos, mas estão em todos nós. Constatarmos sua existência já é um passo a frente na luta contra eles.

 *Nem toda pessoa que deseja parecer mulher é homossexual, sei disso. Mas como não domino as nominações corretas, não sei especificar corretamente, preferi pecar pela generalização do que me atrapalhar.